20 de julho de 2012

Stuart Hall e o Pensamento Diaspórico

Stuart Hall é um pesquisador jamaicano, nascido em 1932 na cidade de Kingston. Filho mais jovem de uma família de classe média de ideais imperialistas e racistas. Hall adquiriu, desde jovem, consciência "da condição da cultura colonial, de como a gente sobrevive à experiência de dependência colonial, de classe e cor, e de como isso pode destruir você, subjetivamente". Partindo de sua experiência pessoal o pesquisador desenvolve conceitos como os de identidade,  cultura e tradição na modernidade.  Foi diretor do Center for Contemporany Cultural Studies (CCS) da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, nos anos 70. Sucessor de Raymond Williams no posto. Posteriormente, assumiu os Estudos Culturais como projeto institucional na Open University.
Para conhecer melhor esse pensador e as motivações de seu trabalho, sugerimos a leitura da obra de onde extraimos alguns conceitos básicos:
HALL, Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Trad. Adelaine La Guarda Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
Teoria X Ideologia
O pensamento tem um peso específico, pois o discurso teórico é uma prática cultural crítica, que se faz com a pretensão de intervir em uma discussão mais ampla; por natureza, a teoria tem esse potencial de intervenção. Quando revê a questão da ideologia Hall diz: “Também quero colocá-la ( a ideologia) enquanto problema geral – um problema para a teoria porque também é um problema para a política e a estratégia.” (p.13). A teoria é uma tentativa de solucionar problemas políticos e estratégicos; não uma elaboração a partir deles. A teoria é uma tentativa  de saber algo que, por sua vez, leva a um novo ponto de partida em um processo sempre inacabado de indagação e descoberta; não é um sistema que precisa ser acabado, útil na produção do conhecimento. (p.13-14)


Pensamento Diáspórico
A partir do conceito de nação imaginada de Benedict Anderson para quem as nações não são apenas entidades políticas soberanas, pois dentro delas articulam-se tensões entre o individual e o coletivo, Hall levanta as questões: “Essa questão é central, não apenas para seus povos, mas para as artes e culturas que produzem, onde um certo “sujeito imaginado” está sempre em jogo. Onde começam e onde terminam suas fronteiras, quando regionalmente cada uma é cultural e historicamente tão próxima de seus vizinhos e tantos vivem a milhares de quilômentros de casa? Como imaginar sua relação com a terra de origem, a natureza de seu “pertencimento” no Caribe à luz dessa experiência diaspórica?”(p.26)

Diáspora: termo que inicialmente refere-se à dispersão judaica devido à perseguição política e étnica. Utilizado por Hall para definir também a dispersão dos negros caribenhos, cuja metáfora de principal correspondência encontra-se no Velho Testamento, na libertação do povo judeu por Moisés

“Os entrevistados de Mary Chamberlain também falam eloquentemente da dificuldade sentida por muitos dos que retornam em se religar as suas sociedades de origem. Muitos sentem falta dos ritmos de vida cosmopolita com os quais tinham se aclimarado. Muitos sentem que a “terra” tornou-se irreconhecível. Em contrapartida, são vistos como se os elos naturais espontâneos que antes possuíam tivessem sido interrompidos por suas experiências diaspóricas. Sentem-se felizes por estar em casa. Mas a história, de alguma forma, interveio irrevogavelmente.”(p.26)

“Não podemos jamais ir para casa, voltar à cena primária enquanto momento esquecido de nossos começos e “autenticidade”, pois há sempre algo no meio. Não podemos retornar a uma unidade passada, pois só podemos conhecer o passado, a memória, o inconsciente através de seus efeitos, isto é, quando este é trazido para dentro da linguagem e de lá embarcamos numa (interminável) viagem. Diante da “floresta de signos” (Baudelaire), nos encontramos sempre na encruzilhada, com nossas histórias e memórias (“relíquias secularizadas”, como Benjamin, o colecionador, as descreve) ao mesmo tempo que esquadrinhamos a constelação cheia de tensão que se estende diante de nós, buscando a linguagem, o estilo, que vai dominar o movimento e dar-lhe forma. Talvez seja mais uma questão de buscar estar em casa aqui, no único momento e contexto que temos...”(p.27)



Identidade Cultural
Em uma concepção fechada de pátria, tribo e diáspora: “Possuir uma identidade cultural nesse sentido é estar primordialmente em contato com um núcleo imutável e atemporal, ligando ao passado o futuro e o presente numa linha ininterrupta. Esse cordão umbilical é o que chamamos de tradição, cujo teste é o de sua fidelidade às origens, sua presença consciente diante de si mesma, sua “autenticidade”. É claro, um mito – com todo o potencial real dos nossos mitos dominantes de moldar nossos imaginários, influenciar nossas ações, conferir significado às nossas vidas e dar sentido à nossa história.”(p.29)

PS: Conceito baseado sobre uma concepção binária de diferença, fundado sobre a construção de uma fronteira de exclusão  e depende da construção de um “outro” e de uma oposição rígida entre o dentro e o fora.

“...é importante ver essa perspectiva diaspórica da cultura como uma subversão dos modelos culturais tradicionais orientados para nação. Como outros processos globalizantes, a globalização cultural é desterritorializante em seus efeitos. Suas compreensões  espaço-temporais, impulsionadas pelas novas tecnologias, afrouxam os laços entre a cultura e o lugar. Disjunturas patentes de tempo e espaço são abruptamente convocadas, sem obliterar seus ritmos e tempos diferenciais. As culturas, é claro, têm “seus locais”. Porém, não é mais tão fácil dizer de onde elas se originam,”(p.36)  



Cultura e hibidismo
Sobre a realidade cultural no Caribe:

“A distinção de nossa cultura é manifestamente o resultado do maior entrelaçamento e fusão, na fornalha da sociedade colonial, de diferentes elementos culturais africanos, asiáticos e europeus (...) Esse resultado híbrido não pode mais ser facilmente desagregado em seus elementos “autênticos” de origem .”(p.31)
“Através da transculturação “grupos subordinados ou marginais selecionam e inventam a partir dos materiais a eles transmitidos pela cultura metropolitana dominante. É um processo da “zona de contato”, um termo que invoca a “copresença espacial e temporal dos sujeitos anteriormente isolados por disjunturas geográficas e históricas.””(.31)


Multicultural / Multiculturalismo
“Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade “original”(p.50).

“Multiculturalismo é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais.”(p.50)


Raça e Etnia
O “termo raça é aplicado geralmente aos afro-caribenhos e etnicidade aos asiáticos. Considera-se que raça traduza melhor a experiência afro-caribenha por causa da importância da cor da pele, uma ideia derivada da biologia.(...) Os asiáticos não constituem uma raça, nem tampouco uma única etnia.”(p.66)

“Já a “etnicidade” gera um discurso em que a diferença se funda sob características culturais e religiosas. Nesses termos, ela frequentemente se contrapões a raça. Porém, essa oposição binária pode ser delineada de forma muito simplista.”(p.67)

11 de abril de 2012

Indústria Cultural e Sociedade - Theodor Adorno


Theodor Adorno, filósofo alemão, autor canônico muito citado quando o tema se refere à indústria cultural. Adorno, de descendência judaica, nasceu em Frankfurt, Alemanha, em 1903 e conviveu com artistas, músicos e intelectuais da época. Jovem leitor de Kant, estudioso das artes e em especial do cinema. Na década de 1903, em razão das perseguições nazistas aos judeus e aos socialistas, emigrou para os Estados Unidos (1938-1946), juntando-se a outros pensadores e cientistas famosos. Com o final da guerra voltou para a Alemanha.

Fazia parte da Escola de Frankfurt, fundada em 1923, dedicada ao estudo de pensamento filosófico, sociológico e a pesquisa social, de cunho marxista. Contemporâneo e amigo de Max Horkheimer, publicaram em 1947, em Amsterdã a “Dialética do Esclarecimento", quando foi empregada a expressão “industria cultural”.

Os filósofos representantes da Escola de Frankfurt – Adorno, Horkheimer, Benjamin, Marcuse e outros – se preocupavam com a “crise da razão contemporânea”, destacavam a necessidade de autocrítica, como parte da recuperação da razão ameaçada pelo domínio da técnica. Utilizando o conceito de Iluminismo em sentido mais amplo que no século XVIII, buscavam o domínio do raciocínio para pensar filosoficamente a realidade contemporânea.

Estudando a mídia norte americana, Adorno sustenta que o lazer não era mais simples diversão ou entretenimento. Havia um imenso maquinismo denominado “indústria cultural”, visando obter um comportamento dócil e uma multidão domesticada, através da exploração sistemática dos bens culturais.

As produções desta “indústria cultural”, introduzida como mercadorias, aliadas ao espírito de concentração capitalista perseguiam atitudes passivas de seus consumidores e, buscavam um “cidadão conformista” que não tinha nada em comum com o uso da razão e da liberdade, a arte, especialmente o cinema, se tornou mãos a expressão da racionalidade técnica e instrumento de lazer.

Segundo o seu biógrafo Stefan Müller Doohm, Adorno foi um dos responsáveis pelo despertar da consciência e da auto-análise no pós-guerra.

Seus ensaios apresentados em Indústria Cultural e Sociedade (editora Paz e Terra, 2011) – a saber: A indústria cultural: o iluminismo como mistificação das massas; Crítica cultural e sociedade; e Tempo livre – se constituem em leitura indispensável para a reflexão filosófica de todo aquele que se preocupa com a identidade do homem contemporâneo e as amarras invisíveis dos mecanismos do poder econômico.

Faleceu em 1969, constrangido com seus alunos ultra-esquerdistas, do movimento estudantil de 1968.

Palmira Petratti Teixeira.
Doutora em História pela USP.
Texto de apresentação do livro "Indústria Cultural e Sociedade",
de Theodor Adorno: Editora Paz e Terra, 2011.



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EXCERTOS DE "TEMPO LIVRE"

A questão do tempo livre: o que as pessoas fazem com ele, que chances eventualmente oferece o se desenvolvimento, não pode ser formulada em generalidade abstrata. A expressão [...] aponta a uma diferença específica que o distingue do tempo não livre, aquele que é preenchido pelo trabalho e, poderíamos acrescentar, na verdade, determinado desde fora. O tempo livre é acorrentado ao seu oposto. Esta oposição, a relação em que ela se apresenta, imprimi-lhe traços essenciais. [...] o tempo livre dependerá da situação geral da sociedade. (p. 103)
[...] a existência que a sociedade impõe às pessoas não se identifica com o que as pessoas são ou poderiam ser em si mesmas. Decerto, não se pode traçar uma divisão tão simples entre que as pessoas em si e seus assim chamados papéis sociais. Estes penetram profundamente nas próprias características das pessoas, em sua constituição íntima. Numa época de integração social sem precedentes, fica difícil estabelecer, de forma geral, o que resta nas pessoas, além do determinado pelas funções. (p.104).

Em entrevistas e levantamentos de dados, sempre se é questionado sobre o seu hobby. Quando as revistas ilustradas informam a respeito de algum figurão da indústria cultural, falar dos quais é, por sua vez, a ocupação principal da industria cultural, poucas vezes perdem o ensejo de relatar algo mais ou menos íntimo sobre os hobbies dos mesmos. Quando me toca essa questão, fico apavorado: Eu não tenho qualquer hobby. Não que eu seja uma besta de trabalho que não sabe consigo nada além de esforçar-se e fazer aquilo que deve fazer. Mas aquilo com que me ocupo fora de minha profissão oficial é, para mim, sem exceção, tão sério que me sentiria chocado com a ideia de que se tratasse de hobbies, portanto ocupações nas quais me jogaria absurdamente só para matar tempo [...]. Compor música, escutar música, ler concentradamente, são momentos integrais da minha existência, a palavra hobby seria escárnio em relação a elas (p.105).

Simultaneamente, a distinção entre trabalho e tempo livre foi incutida como norma a consciência e inconsciência das pessoas. Como, segundo a moral do trabalho vigente, o tempo em que se está livre do trabalho tem por função restaurar a força de trabalho, o tempo livre do trabalho – precisamente porque é um mero apêndice do trabalho – vem a ser separado deste com zelo puritano. [...] deve o tempo livre, provavelmente para que depois se possa trabalhar melhor, não lembrar em nada o trabalho. Esta é a razão da imbecilidade de muitas ocupações do tempo livre. Por baixo do pano, porém, são introduzidas, de contrabando, forma de comportamento próprias do trabalho, o qual não dá folga às pessoas. (p. 107)

[...] a própria necessidade de liberdade é funcionalizada e reproduzida pelo comércio; o que elas querem lhes é mais uma vez imposto. [...] as pessoas não percebem o quanto não são livres lá onde mais livres se sentem, porque a regra de tal ausência de liberdade foi abstraída delas (p. 108).

O tédio existe em função da vida sob coação do trabalho e sob a rigorosa divisão do trabalho. Não teria que existir. Sempre que a conduta no tempo livre é verdadeiramente autônoma, determinada pelas próprias pessoas enquanto seres livres, é difícil que se instale o tédio; [...] Se as pessoas pudessem decidir sobre si mesmas e sobre suas vidas, se não estivessem encerradas no sempre-igual, então não se entediariam (p. 110).

Sob as condições vigentes, seria inoportuno e insensato esperar ou exigir das pessoas que realizem algo produtivo em seu tempo livre, uma vez que se destruiu nelas justamente a produtividade, a capacidade criativa [...]. O que produzem tem algo de supérfluo (p. 111).

Tempo livre produtivo só seria possível para pessoas emancipadas, não para aquelas que, sob a heteronomia, tornam-se heterônomas também para si próprias. (p.113)

Ideologia da personalização: consiste em atribuir-se importância desmedida a pessoas individuais e a relações privadas contra o efetivamente determinante, desde o ponto de vida social, evidentemente como compensação da funcionalização da realidade (p. 115).
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Referência:
ADORNO, Theodor. Indústria Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2011.



 Angela F. Mendez de Oliveira
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Uma Introdução aos Estudos Culturais

"Operários" - Tarsila do Amaral, 1933

O  artigo  Uma Introdução aos Estudos Culturais (pdf), de Ana Carolina Escosteguy,  tem por objetivo apresentar a tradição dos estudos culturais aos que se iniciam nesses estudos (especialmente estudiosos voltados às teorias da comunicação). Apresentamos um breve resumo do trabalho da autora.


1. TRAJETÓRIA HISTÓRICA

*Os Estudos Culturais foram uma invenção britânica (hoje é um fenômeno internacional).

*É um movimento teórico – político:
Teórico – resulta da insatisfação com os limites de algumas disciplinas, propondo a interdisciplinaridade para se estudar a cultura (rede vivida de práticas e relações da vida cotidiana).
Político – sinônimo de correção política. Política cultural de vários movimentos sociais da época em que surgiu.

*Campo de estudos onde diversas disciplinas se interseccionam no estudo de aspectos culturais da sociedade contemporânea.

* Três textos publicados nos finais dos anos 50 estabelecem as bases dos estudos culturais: Richard Hoggart (57) / Raymond Williams (58) / E.P Thompson (63)

* Em 1964 surge o CCCS – Center for Contemporary Cultural Studies, fundado por Hoggart e ligado ao centro Birmingham.

*A contribuição teórica de Raymond Williams é fundamental, basilar na formação dos Estudos Culturais, a partir do livro Cultura e Sociedade. Williams mostra que a cultura é uma categoria chave que conecta tanto a análise literária quanto a investigação social. Williams muda (amplia, reformula) o entendimento de cultura e essa mudança, no entendimento de cultura, tornou possível o desenvolvimento dos Estudos Culturais.

*Stuart Hall substitui Hoggart na direção do CCCS, em 1969,  e permanece até 1979.

* Embora originalmente esteja amparado no marxismo, a história desse grupo está entrelaçada com a trajetória da New Left .



2. CONSTRUÇÃO DAS PERSPECTIVAS TEÓRICAS: DESLOCAMENTOS

O objetivo deste subtítulo é apontar, de forma sintética, “as rupturas e incorporações que contribuíram na construção da perspectiva teórica e das principais problemáticas desta tradição”. Seu período de afirmação deu-se na década de 70, logo, as perspectivas aqui examinadas estão resumidas a essa época. Refere-se, a autora, aos pontos-chave que mostram a influência de diferentes teóricos na formação dos Estudos Culturais(ESCOSTEGUY, 1997,p. 89)


1° Deslocamento:

O primeiro deslocamento dá-se na nova formulação do sentido de cultura:

Com a extensão do significado de cultura de textos e representações para práticas vividas, considera-se em foco toda produção de sentido. O ponto de partida é a atenção sobre as estruturas sociais (poder) e o contexto histórico enquanto fatores essenciais para a compreensão da ação dos meios massivos, assim como, o desprendimento do sentido de cultura da sua tradição elitista para as práticas cotidianas. (ESCOSTEGUY, 1998, p.90)
Ainda que de base marxista, os estudos culturais atribuem à cultura um papel que não é totalmente explicado pelo determinismo reducionista-econômico do marxismo cultural, resultando na contestação e crítica da metáfora base-superestrutura.

A perspectiva marxista contribuiu para os estudos culturais no sentido de compreender a cultura na sua “autonomia relativa”, isto é, ela não é dependente e nem é reflexo das relações econômicas, mas tem influência e sofre consequências das relações político-econômicas. (ESCOSTEGUY, 1998, p. 90)

2° Deslocamento:

Trata-se da relação entre práticas culturais com o econômico, político e instâncias ideológicas. Influência forte de Althusser que argumentava que as estruturas são complexas e existem várias forças competindo e em conflito compondo uma complexa unidade – a sociedade.


3° Deslocamento:

Diz respeito ao conceito de ideologia, proposto por Althusser. Esta é vista enquanto “provedora de estruturas de entendimento através das quais os homens interpretam, dão sentido, experienciam e ‘vivem’ as condições materiais nas quais eles próprios se encontram”. (Hall 1980: 32).

O conceito de ideologia aqui é que leva o interesse dos Estudos Culturais para os mass media. Como os estudos culturas nesta primeira etapa estava ligado a Escola de Birmingham, as pesquisas estavam limitadas a áreas restritas (linguagem, música, subculturas, etc). Com os desafios de explicar e aplicar o conceito de ideologia é que os interesses pelos meios de comunicação social ganharam destaque.

Discordando do entendimento dos meios de comunicação de massa (MCM) como simples instrumentos de manipulação e controle da classe dirigente, os estudos culturais compreendem os produtos culturais como agentes da reprodução social, acentuando sua natureza complexa, dinâmica e ativa na construção da hegemonia. (ESCOSTEGUY, 1998, p. 91)
A teoria da hegemonia de Gramsch é fundamental para os Estudos Culturais, pois mostra como a mudança pode ser construída dentro do sistema. Propõe ele, grosso modo, o intercâmbio entre as diferentes culturas, uma troca entre as culturas dominantes (hegemônicas) e as culturas populares.

Na prática o que acontece é um sutil jogo de intercâmbios entre elas. Elas não são vistas como exteriores entre si mas comportando cruzamentos, transações, intersecções. Em determinados momentos a cultura popular resiste e impugna a cultura hegemônica, em outros reproduz a concepção de mundo e de vida das classes hegemônicas. (ESCOSTEGUY, 1998, p. 91)

O Centro de Birmingham, de sua fundação até início dos anos 80, esteve a frente dos Estudos Culturais, promovendo problemáticas e temas. A partir dos anos 80 a partir da influencia de importantes teóricos franceses como Foucault, Bourdieu e Certeau, entre outros, dá-se a internacionalização dos Estudos Culturais.


 
3. CONTORNOS DA ATUALIDADE:

É interessante notar as diferenças entre os “primeiros” estudos culturais e os dos anos 90. Identifica-se uma primeira fase embrionária que se inicia com os textos precursores, já citados, passando para a instalação do Centro de Birmingham e sua abundante produção até o final dos anos 70/início dos 80, numa etapa de consolidação, e uma terceira fase, de internacionalização, de meados dos oitenta até os dias de hoje. (ESCOSTEGUY, 1998, P.92)

1° momento (finais anos 50/anos 60)
*Forte relação com iniciativas políticas e relação com diversas disciplinas.

*Ênfase na compreensão das relações entre poder, ideologia e resistência.

*Foco na relação cultura/ comunicação massiva e dentro desta, as problemáticas que enfocam as culturas populares e suas estratégias interpretativas.

*No final dos anos 60 a temática da recepção e o consumo midiático chamam a atenção de Birmingham.


 
2° momento (ano 70/80)
*A recepção ainda preocupa os teóricos da Escola de Birmingham. Hall se preocupa com as modalidades de recepção dos programas televisivos:

Argumenta [Hall], também, que podem ser identificadas três posições hipotéticas de interpretação da mensagem televisiva: uma posição “dominante” ou “preferencial” quando o sentido da mensagem é decodificado segundo as referências da sua construção; uma posição “negociada” quando o sentido da mensagem entra “em negociação” com as condições particulares dos receptores; e uma posição de “oposição” quando o receptor entende a proposta dominante da mensagem mas a interpreta segundo uma estrutura de referência alternativa. (ESCOSTEGUY, 1998, p. 92)

*A problemática recai sobre a problemática da dominação o que produz o encontro dos Estudos Culturais com os estudos feministas, depois acrescendo as questões de raça e etnia.

*Na década de 80 multiplicam-se os estudos de recepção dos meios massivos. As investigações se redirecionam e passa-se a dar atenção ao trabalho etnográfico.

*Algumas das pesquisas empíricas dessa época apontavam para a importância do ambiente doméstico e das relações dentro da família na formação das leituras diferenciadas.


 
3° momento (anos 90)
*O desejo de explorar o potencial para a resistência e a significação de classe.

*Preocupação em recuperar as “leituras negociadas” dos receptores/ valorização da liberdade individual do receptor e subvalorização dos efeitos da ordem social.

*Temática em torno da subjetividade e identidades.

Existem outros eixos importantes de serem avaliados na etapa presente dos estudos culturais. Entre eles estaria a discussão sobre a pós-modernidade ou a “nova era” (no original, new times) como é proposto por Hall, a globalização, a força das migrações e o papel do Estado-nação e da cultura nacional e suas repercussões sobre o processo de construção das identidades. No entanto, estes fogem do propósito inicial deste trabalho de iniciação aos estudos culturais. (ESCOSTEGUY, 1998, p. 93)
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REFERÊNCIA:
ESCOSTEGUY, Ana Carolina D. Uma introdução aos estudos culturais. Revista FAMECOS, Porto Alegre, n. 9, dez. 1998.

10 de abril de 2012

A Formação dos Estudos Culturais


CEVASCO, M. Elisa
Dez lições sobre estudos culturais.
São Paulo: Boitempo, 2003.



Maria Elisa Cevasco, em seu livro Dez Lições sobre Estudos Culturais (2003),  aponta que o campo dos estudos culturais ainda é novo e, por isso, ainda em expansão. No quarto capítulo, ou na "Quarta Lição" - A Formação dos Estudos Culturais -,  a autora faz um recenseamento dos registros bibliográficos que deram início a esses estudos.

Stuart Hall, que segundo Cevasco é um dos mais conhecidos nomes dentro dos estudos culturais, aponta três textos basilares do campo de estudos que estudamos aqui, obras que “configuram uma quebra com a tradição dos modos de estudar os fenômenos sociais”. São elas:




The Uses of Literacy (1957), de Richard Hoggart.
Culture and society (1958), de Raymond Williams.
The making the English Working Class (1963), de Edward P. Thompson.
 
“Esses trabalhos rejeitavam não só o elitismo da alta cultura e da grande tradição, mas também o marxismo reducionista, entendido como a determinação forte pela economia” (GREEN, apud CEVASCO, 2003, p. 61).
ENSINO DEMOCRÁTICO



Os Estudos Culturais começaram como um empreendimento marginal, desconectado das disciplinas e das universidades, a partir de uma necessidade de estabelecer uma educação democrática para aqueles que tinham sido privados dessa oportunidade.



Os três teóricos citados, Hoggart, Williams e Thompson, foram professores da Worker’ Educational Association (WEA), uma educação de esquerda para a educação de adultos trabalhadores.

A WEA defendia uma educação pública e igualitária que promulgasse os valores de uma cultura em comum, em contraposição aos esforços elitista dos adeptos da cultura de minoria dos Scrutiny e do treinamento social dado pelos fabianos. Procurava construir uma nova consciência social.

Para superar a educação como mecanismo de imposição de valores de classe dominante, os professores tinham que mudar o que ensinavam: temas discutidos tinham relação com a vida dos alunos; as disciplinas, em função disso eram interdisciplinares; os interesses dos alunos se voltava para as modificações culturais em curso no seu cotidiano. Assim , novas práticas foram tomando forma.


ARMAÇÕES TEÓRICAS

A armação teórica inicial dos EC - conceber os produtos artísticos como materialização de uma formação sócio-histórica - exige uma revisão do modos de descrever a inter-relação arte-sociedade.

Raymond Williams, em cultura e sociedade, aponta a dificuldade de estabelecer essas inter-relações.


O problema não preocupa, é claro, a crítica idealista, para quem as artes se dão em um domínio separado da vida social, lidando com valores atemporias e eternos. No campo oposto, o materialismo, descrição mais convincente é a do marxismo, que exprime o problema complexo da determinação por meio da metáfora da base e da estrutura. (CEVASCO, 2003, p.65)
A visão de Marx, no âmbito da crítica cultural, desbanca as acepções idealistas da cultura e sublinha a interdependência dos elementos ditos superestruturais e a produção material da vida social, abrindo um campo de explicação da cultura e sua relação com as formas materiais de e desenvolvimento social.

Mas na "transição de Marx para o marxismo" houve uma tendência em ressaltar as determinações econômicas e uma das tarefas dos EC no momento de sua formação é juntar a sua teprização à de outros pensadores influentes do marxismo cultural e refinar os modos de pensar a determinação da cultura pela base econômica.

Williams repensa a metáfora base/superestutura, seu determinismo econômico e a tendência elitista interpretadas por estudiosos a partir dessa metáfora:

A metáfora da base-estrutra abre espaço para a colocação das artes em um domínio separado, obscurecendo o fato de que a produção artística é ela mesma material, não só no sentido de que produz objetos e notações, mas também no sentido de que trabalha com meios materiais de produção. A questão central é levar até as últimas consequências a contribuição do materialismo histórico, acabando de vez com descrições idealistas e logrando ver as artes como práticas reias, elementos de um processo social totalmente material, e não como "um reino separado das artes e das ideias, da ideologia, da estética, ou da seperestrutura, mas de muitas práticas produtivas e variáveis, com intenções específicas e condições determinadas. (CEVASCO, 2003, p. 67)


No momento de formação dos EC, haviam novas perspectivas de estruturas sociais, entre os anos 50 e 60, que a possibilitaram. Ciclo expansivo pós-guerra, revoluções libertadoras do terceiro mundo,  movimentos de massa, o capitalismo tardio (mudança de estrutura de capital, longe de termos uma sociedade pós-industrial, temos pela 1° vez na história uma industrialização universal generalizada, que penetra em todos os setores da existência – da agricultura à recreação e é claro à produção cultural).
A expansão da quantidade dos meios de produção cultural possibilitou a percepção clara de uma qualidade definidora desses meios, ou seja, são práticas de produção que fazem uso coletivo de meios materiais como, para dar alguns exemplos, a linguagem, as tecnologias da escrita ou os meios eletrônicos de comunicação, a fim de dar forma aos significados e valores de uma sociedade específica. Esses significados são culturais, adquirem existência perceptível por meio dessas formas culturais, e são modificados na medida em que entram em conjunção com pessoas em situaçõe específicas que os podem aceitar, modificar ou recusar. Assim, não é de admirar que Williams, Hoggart e Thompson tenham se interessado pela cultura dos de baixo, buscando formas de resistência à cultura capitalista nos significados, valores e reconhecimentos produzidos pelos que o sistema deixa de fora e explora. (CEVASCO, 2003, p. 69)
A percepção facilitada pelo meios de comunicação de massas é que a produção cultural sempre esteve ligada a processos de dominação e de controle social. Williams, agora em seu texto The long revolution se diz insatisfeito,  e há, para o autor, um trabalho fundamental a ser feito em relação a dominação culturais. Com os "estudos culturais" busca expandir o conceito de cultura e transformar os processos de aculturação abrangentes.

Não se trata aí de uma hipóstase da cultura como o único modo de luta nem do idealismo atroz de pensar que somos nós, estudiosos da cultura, que vamos fazer sozinhos a revolução. Mas trata-se certamente de uma codificação teórica ( e disciplinar - se lembrarmoa que os estudos culturais vêm daí) de uma percepção da experiência da vida contemporânea, marcada pela expansão vertiginosa dos meios de comunicação pela invasão, pelas necessidades da sociedade das mercadorias, de todas as esferas da vida humana [...]. (CEVASCO, 2003, p. 70)

Sabemos que todas as promessas de revolução da época de formação dos EC não modificaram o mundo, antes foram revertidas em crises econômicas dos anos 70 e reversões ideológicas nos anos 80 e 90 (cita, Margareth Thatcher, Ronal Reagan, etc.) (idem, p. 71)


SEQUÊNCIAS HISTÓRICAS

Já nos anos 50, com a guerra fria e o terror ao comunismo, instalou-se uma repressão aos movimentos operários. (Com isso possibilitou o florescimento da nova esquerda).

A WEA foi perdendo significação política e seus professores foram absorvidos por universidades. Williams tornou-se professor em Cambridge e  um pensador original das questões culturais. Thompson professor de Birmingham, fundou o Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, que dirigiu até 1968, quando tornou-se assessor da UNESCO passando a direção a Stuart Hall.

A partir de Birmingham, e de alunos ali formados por esses primeiros professores, a disciplina foi sendo instituída em diversas universidades do mundo.

Ainda hoje há dificuldades de definir seus limites enquanto programa acadêmico:

Até hoje há dificuldade de definir seus limites enquanto programa acadêmico. Como projeto interdisciplinar, os estudos culturais se situam em um amálgama de quatro disciplina: estudos das Mídias [...], História, Sociologia e, prinicpalmente, Inglês, mas a ênfase está em diferenciar-se dessas disicplinas. (CEVASCO, 2003 p. 73)



Do inglês retiveram o interesse no texto e na textualidade, incluindo formas populares de cultura. O conceito de literatura é repensado e a lista das grandes obras (o cânone) é ampliada considerando produções silenciadas.

Na história a ênfase recai sobre a memória popular e oral. Das mídias vêm os estudos da relações dos meios de comunicação com a sociedade. Da sociologia o interesse pela etnografia e subculturas.

Talvez o que enfocam os estudos culturais seja menos importante do que como e por que enfocam seus objetos:

O modelo teórico de Williams da interconstituição projeto intelectual ou artístico e formação sócio-histórica se traduz em uma prática que procura dar conta de pelo menos trâs níveis: o da experiência concreta do vivido, com sua ênfase nos mapas de sentido que informam as práticas culturais de determinados grupos ou sociedades; o das formalizações dessa práticas em produtos simbólicos, os "textos" dessa cultura, texto tomado aí em sua acepção mais abrangente; e o das estruturas sociais mais amplas que determinam esses produtos, momento que exige lidar com a história específica dessas estruturas. (CEVASCO, 2003, p.73)
A questão dos EC era fazer uma crítica engajada da tradição de cultura e sociedade. Era estabelecer ligações orgânicas do trabalho intelectual com grupos sociais. Nesse ponto, o trabalho do intelectual italiano Antonio Gramsci foi fundamental. Para Gramsci todas as pessoas são intelectuais mas nem todos exercem na sociedade a função de intelectual (idem, p. 74).

O centro de estudos da cultura contemporânea de Birmingham buscava se afastar das tarefas habituais dos intelectuais tradicionais e forjar um novo intelectual orgânico. Ocorre que a ligação entre uma disciplina universitária institucionalizada com movimentos e grupos sociais é problemática.

Os primeiros trabalhos que saíram do centro mostram como esses esforços se traduzem na prática acadêmica: Mantinham-se a frente das discuções publicando na New Left Review as principais correntes de esquerda que havia no mundo, passaram a traduzir textos dos marxistas culturais. Preocupavam-se em estabelecer ligações entre pesquisa e grupos sociais. Formavam grupos de pesquisa e escolhiam temas relevantes para o momento e publicavam coletivamente. Dois temas forma importantes nesse primeiro momento: o da sociedade das mídias ( a partir das declarações de Leavis),  e as subculturas.

Um dos estudos desse tempo (1976), de John Clark, sobre os Skin-heads, ilustra os ganhos e as perdas dessa nova fase dos estudos culturais universitários. (idem, p.77)

Os EC em meio as suas resoluções e conflitos passam, assim, de prática marginal-radical, a mais uma entre as diferentes disciplinas acadêmicas.

Nesse momentos os Estudos Culturais estão definitivamente "formados". Seu futuro está, como diz Raymond Williams, na tentativa, nem sempre bem sucedida, de levar o melhor que se pode conseguir em termos de trabalho intelectual até pessoas para quem esse trabalho não é um modo de vida ou um emprego, mas uma questão de alto interesse para que entendam as pressões que sofrem, pressões de todos os tipos, das mais pessoais às mais amplamente políticas. (CEVASCO, 2003, p. 78)